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Cabeça Ruminante

Propriedade privada é o que se pode dizer de um coração.

O seu trespasse deve ser punível, e deixa um cadastro difícil de apagar.
Ou de ignorar.

É privado nos seus sentimentos, ainda que, por vezes, o seu interior esteja à vista de todos.

É tentador. Uma porta que súplica por ser aberta, mas não pode ser.

O dos outros, nunca deve ser considerado como nosso. No nosso, guardamos o que bem entendermos.

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Um cão à beira-mar
Espera uma flor que há de voltar
Ele espera e espera
Com uma paciência de louvar

A flor por quem ele aguarda
Partiu há muito
Mas prometeu voltar
Prometeu voltar a debaixo da sua guarda estar

Ele cheira todas as gotas soltas do mar
Cheira o sal, o iodo e os outros peixes do alto-mar
Cheira os grãos d’areia, que as patas lhe estão a tapar
E que o vento não para de gritar

Um cão à beira-mar
Aguarda a flor que há de chegar
Tem os olhos presos no fino horizonte
No horizonte que parece nunca mais mudar

Um alvoroço instala-se
Os humanos estão-se a juntar
E há vários círculos para o mesmo lado a apontar
Estará a flor a chegar?

Permanece à beira-mar,
Um cão com a cauda quase a abanar
Surge lá ao fundo um ponto
E ele a flor já quase consegue cheirar

 

(Poema acompanhado com ilustrações no recém criado Instagram. )

Quando eu era pequena
costumava ouvir a Natureza
Pássaros e galos pela manhã cantavam
Moscas e outros insetos à tarde nos rondavam
E os cães pela noite fora ladravam

Adorava cada barulho
Como eles traziam calma e serenidade
E como davam sentido
à incerteza que me rodeava

Agora adulta,
oiço barulhos de outra natureza
Comboios, motas, autocarros
A eles já estou habituada
Tento que me tragam a calma
que os outros sons traziam
Mas não é fácil

Não é só o facto de serem estridentes
é também o que significam
Simbolizam que a minha juventude já lá vai
mostram-me o quanto os outros sons importavam
Mostram como o mundo é caótico
quando crescemos

Pior já penso como serão os do futuro
Serão também tão caóticos?
Se sim,
talvez ajudem a esconder a minha velhice
para que dela nunca me aperceba
Talvez tornem até a morte normal
Se não,
Se forem calmos como os sons da natureza
talvez me tragam a paz e aceitação
da minha idade e morte

Mas,
e se forem sons diferentes?
Se forem algo que nunca antes ouvi?
Se forem sons de hospital?
ou talvez ainda pior
Se não ouvir nada
E estiver apenas sozinha?

Acho que nunca estarei preparada
por isso não sei é nada
apenas como era e é agora
E de como a vida é complicada
Não sei como encarar o som do meu sofrimento
Ou o som da morte de quem amo

Se pudesse escolher
que aqui fique registado
gostaria de ouvir algo que me transportasse
Melodias entregues como quando em mim
ainda não havia anunciada tristeza

Nada nunca mais será igual
mas também não há mal em sonhar
antes que não ouça nada

Ainda sinto o cheiro o verde
da erva descontrolada e fresca
que recolhe e guarda para si
os pingos de orvalho e chuva

Sinto o vermelho
dos tijolos deixados expostos
na tentativa apressada
de construir um abrigo

Consigo desfazer o cinzento
com o passar das mãos
esfarelando a areia solta
do cimento também exposto

Ainda vejo com o azul
do teu céu imenso
que sem extremidades ou barreiras
me abraçava por completo

E sonho com o branco
das nuvens de lã que lá pairam
e de como elas se aglomeram
em formas impossíveis de desenhar

Recordo o som do castanho
do vento que fazia cair as folhas
arrastando-as e preenchendo todo o chão
Chão esse que cabia a mim varrer

Tudo isto junto
traz-me o cheiro a pão
o teu sorriso
as tuas gargalhadas
as nossas mãos pegajosas da massa crua

Ainda saboreio cada momento
ao teu lado passado

Vazio é o que sinto
Sinto que o meu valor é vazio
que o meu trabalho é vazio
que a minha vida é vazio
Não que ela não tenha coisas boas porque até tem. Muitas até, segundo dizem
Posso gabar de ter o meu coração preenchido
tenho o meu andar e os meus braços
a minha vista e a minha audição
No entanto, sinto-me vazio
Mexo-me, esforço-me, trabalho
para encher algo que não é meu
Pois o que é meu, está vazio
Quebrar este ciclo, é difícil
não imagino o que me poderá deixar de novo preenchida
como quando eu era em pequena
Estaria eu mesmo preenchida nessa altura?
Espero que estas palavras não perdurem no tempo
Se assim for
não só serei vazio
como não mereço ser qualquer outra coisa

Descobri que não sou poetiza
ainda que o tente ser
Mas é óbvio que nesta veias
não corre dom algum para me exprimir

Quanto mais tento
mais falho
Quanto mais falho
mais me odeio

De tanto esforço
para tentar vencer,
mirando e ordenando palavras,
tentando chegar ao melhor de mim
acabo por ficar como um verdadeiro poeta

O coração sente-se magoado
pelo esforço falhado
E o meu pensamento fica assombrado
Não sei se pela angústia
ou apenas por sentir

Então aí…
Talvez, sim!
Reparo na minha dor
E Oh!, ganho um novo fulgor
Tento escrever
Tento escrever todo este fervor
Pego no lápis ou caneta de cor

No fim, animada, vou reler!
E, ao fazê-lo, acabo por perceber
que não sou mesmo poetiza
E talvez nunca chegue a ser

Não sou perdida
nem achada de mim
Ando solta no mundo

Procuro um rótulo
para sentir uma pertença
Para sentir que a minha existência
faz sentido
Mas os que encontro
não são para mim

Esforço-me por me encaixar
Mas a persistência para tal
Exausta-me e esgota-me

E nunca sinto
verdadeiramente
que faça parte
Sou peça solta

Não especial o suficiente
para poder existir sozinha
E não tenho as arestas limadas o suficiente
para me encaixar nas caixas de outros

E o pior
é que me falta a coragem
para seguir o caminho
sozinha

O meu tempo aqui
Será eternamente coberto de medo
de confusão e de dúvida

Chora o céu
para me ver feliz
Ele sabe o quanto eu gosto
dos cheiros do meu passado
Cheiros do tempo
em que tudo era leve
Nunca pesado

A água cai, e forte
Uma gota faz o som de mil
Chove, chora e não pára
Nota-se que é Abril

Eu aqui fico
a ouvi-la cair
Sinto-me em casa
Sinto a saudade
do tempo em que tudo era fácil
Do tempo em que tinha real liberdade

De volta e meia,
gostas de me assustar
O teu vulto aparece
no canto do meu olho

És sorrateiro
Ou sou eu?
Que, com a minha saudade tremenda
não te deixo escapar

Viro a cabeça
na direção do vulto
teu
Tão rapidamente que,
o cabelo não acompanha
e tapa-me os olhos

Sou obrigada a fecha-los
E quando olho de novo
para ti
Tu já não estás

Já não há sombras
Já não vejo formas
Não há sons
Não há a ti

Incrédula fico
Pois sei que te vi
Mas tu
teimas em não querer te mostrar

Só as tuas saudades minhas
te fazem avançar demais

Sinto-me a definhar; sinto que a minha essência esta a ser sugada, para algo que não compreendo o que é. Apenas sinto os seus efeitos nefastos que, para além de drenarem, também contaminam. O veneno entra e mistura-se comigo.

Parte do meu sangue, e pensamento, já não é bem meu, é desta entidade.

Tento a todo o custo manter a minha alma limpa, mas a cada dia que passa, "ela" está mais perto de a alcançar. Ate já me fez esquecer de ti, pois sabe que és parte da minha cura.

Mas eu luto, e escrevo-te no dia seguinte. Duas vezes. Não a posso deixar ficar com a minha salvação e com o meu último riso.

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