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Cabeça Ruminante

Capa d'A Discussão

"Merda pra ti e pra tudo isto. Acabou."

Nádia releu a mensagem pela centésima vez, que continuava sem resposta. Sentia-se arrependida das duras palavras e, sentada no banco do comboio quase vazio, pensava em como as poderia remediar.

Era uma sexta-feira que se arrastava nublada e fria; um dia propício a discussões. Nádia estava decidida a mudar o rumo daquele dia, e por isso, ao sair da estação de comboio, virou no sentido oposto ao de casa e passou pelo supermercado.

Lembrou-se de fazer o jantar favorito do seu noivo: lasanha. Devido à complexidade da receita (ou melhor, ao tempo que ela demora a preparar), era muito raro fazê-la; menos ainda num dia de semana. Tinha a certeza de que aquela seria uma ótima surpresa, que apaziguaria as águas entre os dois jovens corações, e um gesto mais poderoso do que o simples: “Desculpa-me, não quis dizer aquilo.”

Com tudo comprado, seguiu caminho até casa a pé, carregada com um saco cheio numa mão, uma garrafa de vinho na outra, peito levantado e sorriso no rosto.

Hoje, ainda ia ser uma boa noite!

Joel também já não devia demorar; certamente já vinha a caminho de casa.

Enquanto programava o jantar na sua mente, e salivava com o cheiro da lasanha acabada de sair do forno e do seu amado noivo, um pé desatento pisa na estrada, mal vê o seu prédio. Sem se dar conta de quem vai estrada.

Nela, vai um carro que se apressa na sua direção, e que não aparenta qualquer intenção de parar.

 

Capa de O Fio de Presas

— A minha família! — gritou e num gesto com precisão suíça, agarrou no telemóvel, abandonando-o em cima do sofá. 

A última chamada ocorrera há duas horas. Era uma chamada da sua mãe. Em segundos, Lúcia devolveu a chamada, que não demorou a ser atendida.

— Olá, querida — diz uma voz abatida, mas doce e familiar, do outro lado da linha. — Como te sentes?

— Oh, mãe! Não acredito que te estou a ouvir!

— Então, filha? Que conversa é essa?

Lúcia, ainda trémula e com a voz seca e embargada, prosseguiu, contando-lhe tudo o que tinha acontecido.

— Credo, filha, que disparate! Foi só um sonho, porque é que o avô haveria de te dar um fio?

— O quê? — questionou Lúcia, olhado para o fio com as pontas puxadas e os olhos arregalados para confirmar o que via. — Não, essa parte é real. Ele deu-me mesmo um fio — com a mão que estava livre, pegou no objeto, para confirmar o que os seus olhos observavam —, estou neste momento a olhar para ele.

Capa de O Fio de Presas

Mais uma vez, os primeiros raios da manhã aqueciam ao de leve o seu rosto, fazendo-a despertar. Como era seu hábito, franzia o rosto e dava um urro; claros sinais de que não queria acordar. Era sábado, o seu dia favorito, e aproveitou para pensar no que tinha de fazer naquele dia.

«Hoje vai ser o dia mais feliz da minha vida! Nem acredito que finalmente chegou», pensava alto.

Era um sábado importante: o dia do seu casamento com Tiago. Depois de ultrapassar a vergonha e a timidez, finalmente arranjara coragem para lhe revelar os seus sentimentos. Na verdade, fora empurrada pelos seus colegas de trabalho.

Há um ano que partilhavam a vida dentro de quatro paredes, ambos sentiram que chegara a hora de oficializar a relação. Marcaram a cerimónia para o primeiro fim de semana de agosto, altura em que muitos dos seus amigos e familiares se encontravam de férias, incluindo os colegas de trabalho. Como mandava a tradição, tinha de haver despedida de solteiro e o noivo não podia ver o vestido (e a noiva) antes de pisar o altar, pelo que Lúcia passara a noite sozinha em casa. Ela não se importava com isso: a sua despedida de solteira acontecera há duas noites.

 

Capa de O Fio de Presas

— Ei! Lúcia! — irrompeu Tomás, o contabilista, pelo seu gabinete adentro. — Mais logo, sempre podemos contar contigo?

— Tomás — iniciou com algum enfado —, já te disse que não. É quarta-feira, bolas. Amanhã tenho de trabalhar. E tu também!

— Eh, vá lá. É só um jantarzinho. Não me digas que não aguentas acordada depois das vinte e uma horas? — riu-se. 

Lúcia, porém, continuava a recusar a proposta. Tomás decidiu usar o seu único trunfo:

— Pronto, okay! Mas é pena, sabes? Esta noite vamos ajudar o Tiago, da Informática, a arranjar uma chavala. Até podias ser tu a chavala, se viesses. Quem sabe...

Com este novo dado, Lúcia repensou a sua recusa:

— Bem me parecia que vinhas.

— Vou, apenas porque és um chato e não me largas se eu não aceitar. Mais nada.

— Sim, sim. Claro — Tomás respondeu-lhe, piscando-lhe o olho antes de sair do gabinete. — Às vinte e uma horas, no restaurante do Zé Janota.

 

Capa de O Fio de Presas

Os primeiros raios da manhã, capazes de romper pelos estores mal fechados, aqueciam ao de leve o rosto de Lúcia.

O quarto, antes escuro, adquiria agora um tom amarelado, só visível nas manhãs de verão, como era o caso. Mais um dia estava a começar.

Ao sentir o sol rosar o seu semblante, Lúcia despertou. Antes, franziu o rosto, como se o tentasse contrair, como quem tenta apanhar um inseto com as sobrancelhas. Acompanhou o gesto, com o habitual grunhido de quem não quer, de todo, acordar.

No entanto, era inevitável que assim fosse. Abriu os olhos e elevou a cabeça, pesada, mantendo o resto do corpo aconchegado debaixo dos lençóis. O seu objetivo era observar o quarto — quase todo iluminado — desde a janela à parede oposta. Preparava-se para um longo suspiro, quando se lembrou de que era sábado: «O melhor dia da semana para acordar!», segundo ela.

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