Quando eu era pequena
costumava ouvir a Natureza
Pássaros e galos pela manhã cantavam
Moscas e outros insetos à tarde nos rondavam
E os cães pela noite fora ladravam
Adorava cada barulho
Como eles traziam calma e serenidade
E como davam sentido
à incerteza que me rodeava
Agora adulta,
oiço barulhos de outra natureza
Comboios, motas, autocarros
A eles já estou habituada
Tento que me tragam a calma
que os outros sons traziam
Mas não é fácil
Não é só o facto de serem estridentes
é também o que significam
Simbolizam que a minha juventude já lá vai
mostram-me o quanto os outros sons importavam
Mostram como o mundo é caótico
quando crescemos
Pior já penso como serão os do futuro
Serão também tão caóticos?
Se sim,
talvez ajudem a esconder a minha velhice
para que dela nunca me aperceba
Talvez tornem até a morte normal
Se não,
Se forem calmos como os sons da natureza
talvez me tragam a paz e aceitação
da minha idade e morte
Mas,
e se forem sons diferentes?
Se forem algo que nunca antes ouvi?
Se forem sons de hospital?
ou talvez ainda pior
Se não ouvir nada
E estiver apenas sozinha?
Acho que nunca estarei preparada
por isso não sei é nada
apenas como era e é agora
E de como a vida é complicada
Não sei como encarar o som do meu sofrimento
Ou o som da morte de quem amo
Se pudesse escolher
que aqui fique registado
gostaria de ouvir algo que me transportasse
Melodias entregues como quando em mim
ainda não havia anunciada tristeza
Nada nunca mais será igual
mas também não há mal em sonhar
antes que não ouça nada