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Cabeça Ruminante

Capa d'A Discussão

"Merda pra ti e pra tudo isto. Acabou."

Nádia releu a mensagem pela centésima vez, que continuava sem resposta. Sentia-se arrependida das duras palavras e, sentada no banco do comboio quase vazio, pensava em como as poderia remediar.

Era uma sexta-feira que se arrastava nublada e fria; um dia propício a discussões. Nádia estava decidida a mudar o rumo daquele dia, e por isso, ao sair da estação de comboio, virou no sentido oposto ao de casa e passou pelo supermercado.

Lembrou-se de fazer o jantar favorito do seu noivo: lasanha. Devido à complexidade da receita (ou melhor, ao tempo que ela demora a preparar), era muito raro fazê-la; menos ainda num dia de semana. Tinha a certeza de que aquela seria uma ótima surpresa, que apaziguaria as águas entre os dois jovens corações, e um gesto mais poderoso do que o simples: “Desculpa-me, não quis dizer aquilo.”

Com tudo comprado, seguiu caminho até casa a pé, carregada com um saco cheio numa mão, uma garrafa de vinho na outra, peito levantado e sorriso no rosto.

Hoje, ainda ia ser uma boa noite!

Joel também já não devia demorar; certamente já vinha a caminho de casa.

Enquanto programava o jantar na sua mente, e salivava com o cheiro da lasanha acabada de sair do forno e do seu amado noivo, um pé desatento pisa na estrada, mal vê o seu prédio. Sem se dar conta de quem vai estrada.

Nela, vai um carro que se apressa na sua direção, e que não aparenta qualquer intenção de parar.

 

Em casa, Joel confirma as horas, sentado na sala. Nádia deve estar para chegar e terão que ter uma conversa séria. A palavra “acabou” ecoa na sua cabeça desde que a leu e não teve coragem de responder. Veio mais cedo para casa e tudo, para resolver este assunto. “Não há casamento, é isso?”

De repente, os seus pensamentos são interrompidos por um chiar de pneus. 

Não é seu hábito ir ver, mas também não conseguia prestar atenção à televisão. Fez-se de porteiro e foi investigar o sucedido. Afastou as cortinas e não acredita no aparato que os seus olhos veem: um atropelamento. Nunca ali tinha acontecido.

Transeuntes rodeiam a vítima e Joel sente que a sua presença não só não é necessária, como causará mais confusão. Quando se decidiu afastar, alguém na rua se movimentou, deixando ver a vítima.

Aqueles cabelos e aquela roupa eram-lhe familiares. “Mas… Parece o cabelo e a roupa da Nádia.”

O cérebro contrapõe: “não é possível. É só coincidência.” Pega no telemóvel e liga-lhe, em vão. Mais pessoas se aglomeram à frente do corpo, ainda quente.

 Não...

Num assalto de pânico, Joel sai disparado de casa. Desce até à rua do sucedido e dá de caras com o seu maior receio. A sua amada Nádia, esvaziava-se em sangue e quase sem pulsação.

Enquanto espera a ambulância, do seu lado, vê uma garrafa de vinho partida e o conteúdo do saco, que com o impacto, se dispersou pela estrada.

Questionou-se por que raio é que ela teria ido comprar todas aquelas coisas, sem sentido aparente. Era uma sexta-feira e estavam chateados! Se calhar até iam terminar. Porquê tudo isto? Até lhe cair a ficha.

Ia fazer o seu jantar favorito. O jantar que nunca mais voltaria a querer provar.

 

Fim.

 

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